CENA
01. CASA DE MEIRE. COZINHA. NOITE. INT.
O ânimo de todos ficou alterado após o trecho lido por
Benjamin do evangelho de Lúcifer. Meire então os leva até a cozinha e lhes
prepara um chá, para tentar acalmar as emoções de ambos. Benjamin trouxe o
livro e o colocou no centro da mesa. Meire não tira os olhos dele.
MEIRE
(aponta para o livro)
O livro diz como acabar com os cavaleiros? Ou mandá-los de
volta de onde eles vieram?
BENJAMIN
Não como acabar diretamente. Parece que algumas páginas
foram arrancadas, justo as páginas que apresentam os pontos fracos de cada um.
MEIRE
Não tem ideia de quem pode ter feito isso?
BENJAMIN
Possivelmente o demônio que estava em posse do livro, antes
de recuperarmos. Acreditamos que o objetivo dele era reunir os 09 cavaleiros.
MEIRE
E o que diz sobre o demônio que está usando meu sobrinho?
BENJAMIN
O que sabemos é que ele é o terceiro cavaleiro e é
especialista em tortura. O livro chega a citar que provocar dor e angústia, é a
sua principal especialidade.
MEIRE
É inacreditável que criaturas malignas assim viviam aqui
antes de nós.
ELIS
É difícil, eu sei. Se bem que a Terra, em sua origem, era
praticamente inabitável. Somente quando Deus percebeu que o planeta era
propício a abrigar vida, que baniu Lúcifer e todos seus seguidores para longe.
A forma que Ele encontrou para manter o planeta seguro e permitir que a vida
nascesse, foi enviar para a Terra um grupo de anjos guerreiros. Assim, por um
bom tempo, os demônios se mantiveram longe do planeta.
BENJAMIN
Só que esses seres são traiçoeiros e rapidamente
descobriram uma forma de se infiltrar entre os humanos. A fraqueza humana
permitiu que os demônios aos poucos ingressassem a este mundo. Brigas,
violência, assassinatos, guerras. O homem logo sucumbiu ao ódio e isso atrai os
demônios.
ELIS
Foi tirando proveito dessa fragilidade, que eles hoje estão
por aqui.
MEIRE
E os anjos? Eles certamente continuam por aqui, certo? A
missão deles era proteger a Terra.
ELIS
Em todos os nossos anos, nunca presenciamos um caso com
experiência angelical. Se eles continuam por aqui, estão muito bem escondidos.
BENJAMIN
E provavelmente tímidos. Já que até hoje, não encontramos
nenhum.
MEIRE
Acho que encontrei o seu primeiro caso angelical!
Benjamin e Elis se entreolham curiosos. Olham para Meire,
na expectativa do que ela tem a dizer.
CENA
02. PRAIA. NOITE. EXT.
Letreiro:
Litoral baiano.
Samuel continua deitado na areia, de olho nas estrelas. A
tranquilidade da praia aos poucos vai o fazendo pegar no sono. Conforme seus
olhos se fechavam, o barulho do mar se silenciava. Ao pegar no sono, o ambiente
inteiro fica em repleto silêncio.
CENA
03. CASA DE MEIRE. COZINHA. NOITE. INT.
Meire está com seu bloco de anotações aberto e com o
notebook à frente de Benjamin e Elis. Eles leem a reportagem da garota que
recebeu a visita de um anjo.
BENJAMIN
Por que anjos se relacionariam com humanos?
MEIRE
Pelo o que essa garota falou, ela foi escolhida para gerar
um guerreiro.
ELIS
Um guerreiro?
MEIRE
Parece que os anjos estão escolhendo garotas ao redor do
mundo, com o propósito delas gerarem guerreiros para uma possível guerra que
está por vir.
BENJAMIN
(sério)
Guerra?
MEIRE
A garota me parecia estranha, sabe?! Como se não fosse ela
mesma. Como se não tivesse vontade própria. Em nenhum momento ela demonstrou
espanto pelo o que está acontecendo. Simplesmente ela aceitou e que terá a
criança.
ELIS
Muitas pessoas, às vezes, ficam tão presas em sua religião,
que acabam não tendo mais vida própria.
BENJAMIN
(a Elis)
Lembra daquele caso no interior do Pará? Que a mãe matou a
família inteira, acreditando que Deus havia falado com ela e dado ordens para
fazer isso.
ELIS
Lembro, lembro sim. Na verdade, era um espírito que havia
se aproveitado da fé dela e começou a implantar visões de que a família era
pecadora e que merecia a morte. Pois era a única forma da família ir junto para
o paraíso.
MEIRE
Que horror.
BENJAMIN
Precisava ver a forma como ela falou com a gente.
Praticamente, sem vontade própria. Estava convicta de que Deus havia escolhido
ela, para remover o pecado de sua família. Uma semana depois, ele se matou na
delegacia.
ELIS
Não é só os demônios que gostam de brincar com as pessoas.
Espíritos obsessores também se divertem em torturar as mentes frágeis das
pessoas.
BENJAMIN
Voltando ao caso, você tem o endereço dessa garota?
ELIS
Tenho sim. Anotei aqui. (entrega o bloco para Benjamin) Ela
está de 09 meses. Segundo ela, a criança está perto de nascer.
Ao ouvir isso, Elis por algum motivo se lembra do choro de
criança que ouviu dias atrás no avião. Toca em Benjamin na sequência, e ele
lembra da mesma coisa.
BENJAMIN
Também lembrei disso.
MEIRE
(curiosa)
Do que?
ELIS
Quando estávamos voltando para casa na última vez que
estivemos aqui, no meio do avião eu ouvi o choro de uma criança. Só que não
havia nenhum bebê ali. O choro estava vindo do lado de fora. E não entendi o
motivo de ter ouvido aquilo.
MEIRE
Será que tem alguma relação com essas crianças?
Benjamin e Elis se entreolham mais uma vez, parecem tensos.
CENA
04. CASA DA GAROTA. SALA. DIA. INT.
No dia seguinte, Elis e Benjamin conseguiram entrar em
contato com a garota. Marcaram um encontro e foram até a casa dela. Eles estão
sentados no sofá, de frente a garota, que acaricia sua barriga completamente
feliz.
GAROTA
(feliz)
Vieram também conhecer a minha história?
BENJAMIN
A gente se interessou muito com o relato que você fez para
a nossa amiga Meire. Então, viemos aqui saber um pouco mais diretamente dessa
de você.
Elis parece hipnotizada em direção a barriga da garota.
Sente uma energia vindo dela. Benjamin percebe a reação da esposa, mas se
atenta a fala da garota.
GAROTA
(feliz)
O que eu posso dizer é que estou muito feliz por ter sido
escolhida pelo o Senhor e poder gerar alguém que vai guiar a humanidade rumo a
vitória.
BENJAMIN
Rumo a vitória de que exatamente? Haverá alguma guerra, é
isso?
GAROTA
(feliz)
O bem e o mal entrarão em conflito em breve. É bom os
humanos escolherem logo em que lado ficarão.
ELIS
A criança... (aponta para a barriga da garota) ... ela está
feliz!
BENJAMIN
O que você está sentindo, amor?
ELIS
Ela tá feliz! Ela tá feliz porque chegou a hora dela
nascer.
Nesse momento, a bolsa da garota estoura ali mesmo.
GAROTA
(extremamente feliz)
Deus seja louvado! Chegou a sua hora, querido.
Benjamin rapidamente se levanta e vai até a garota, que a
ajuda a ficar em pé. Elis não consegue desviar sua atenção da barriga, sente
uma energia forte vindo do bebê.
BENJAMIN
Cadê sua mãe?
GAROTA
(feliz)
Ela foi à Igreja. Mas tem tudo pronto lá no quarto.
BENJAMIN
Tá. (a Elis) Você pega pra mim, Elis?
Elis fica por um tempo imóvel no sofá, não consegue tirar
os olhos da barriga da garota. Volta a realidade assim que o marido a chama
novamente.
BENJAMIN
(tom alto)
Elis?
ELIS
Oi. Sim, eu pego.
Elis se levanta e vai em direção ao quarto apontado pela garota.
Benjamin a ajuda e a leva até à porta, ambos saem.
CENA
05. CASA DE MURILO. QUARTO. DIA. INT.
Aline desperta e começa a sentir algumas contrações fortes.
Rosângela entra no quarto. A entidade está ao lado da janela, parece feliz.
ROSÂNGELA
Filha, preparei um café bem reforçado hoje.
ALINE
Mamãe... acho que chegou a hora. (tira a coberta, ver que
sua bolsa estourou) Meu filho vai nascer agora! (sorri)
ROSÂNGELA
(surpresa)
Sério? Ah, meu Deus...
Coloca apressada a bandeja na ponta da cama, vai até Aline
e a ajuda a sentar-se
ROSÂNGELA
(ansiosa)
Calma, coração. Vou ligar para o seu pai. Ele irá nos levar
para o hospital.
Rapidamente pega o celular e liga para o marido. As
contrações de Aline aumentam, ela começa a ficar ofegante.
ALINE
(ofegante)
Calma, meninão. Logo, logo terei você em meus braços.
Na janela, a entidade parece comemorar o momento.
DEMÔNIO
Finalmente. Estamos prontos para ser guiados por você! Eu
queria muito ficar ao seu lado neste momento, mas preciso finalizar a minha
transição. Mas prometo que logo estarei ao seu lado.
A entidade desaparece, Aline grita sentindo as primeiras
contrações.
ROSÂNGELA
(desesperada)
Oi, amor. Rápido, o nosso netinho vai nascer. Precisamos de
você aqui agora.
Desliga o celular, o joga na cama e ajuda sua filha a se
levantar.
ROSÂNGELA
Com cuidado, filha. Já preparou a sua bolsa? Onde ela está?
ALINE
(ofegante)
Calma, mamãe. Está tudo organizado dentro do guarda-roupa.
ROSÂNGELA
Tá, tá certo. Vou ajudar você e peço para o seu pai pegar
suas coisas depois.
Aline se levanta, caminha apoiada em sua mãe calmamente em
direção a porta do quarto.
CENA
06. CASA DE REGINA. SALA. DIA. INT.
Enquanto Benjamin e Elis foram conversar com a garota que
recebeu a suposta visita de um anjo, Meire decide visitar Regina para mais uma
tentativa de encontrar o sobrinho. Ambas estão na sala, Regina está com uma aparência
bem abatida.
MEIRE
(preocupada)
Você me parece que não tem dormido muito bem nos últimos
dias?
REGINA
(abatida)
Como posso colocar a cabeça no travesseiro e dormir bem, se
o meu filho está por aí, sendo perseguido por um demônio?!
MEIRE
Vamos encontrá-lo. Eu te garanto, não vou deixar que nada
aconteça com o Samuel. Eu posso ter falhado com o meu irmão, mas não vou falhar
com o meu sobrinho.
REGINA
(abatida)
Sabe o que tenho feito nos últimos dias, Meire? Tenho me
ajoelhado dia e noite no meu quarto pedindo, orando, suplicando... (começa a
chorar) ...implorando para que Deus traga o meu menino de volta pra casa. Mas
parece que eu não estou sendo ouvida! (baixa a cabeça) Por mais que eu ore, por
mais que eu me ajoelhe... (a Meire, com olhos em lágrimas) ...Deus não me ouve!
MEIRE
(comovida)
Querida... (se aproxima dela, a abraça) ...não fique assim.
É claro que Deus está te ouvindo. E é claro que ele vai trazer o Samuel de
volta. Não podemos perder a fé agora, entendeu? Vem cá, me dê aqui suas mãos.
Meire segura as mãos de Regina, que diminui o choro aos
poucos.
MEIRE
Vamos orar juntas, está bem?! Vamos pedir proteção a Samuel
e que ele volte logo para casa. As nossas preces juntas serão mais fortes. Deus
certamente nos ouvirá.
Regina e Meire fecham os olhos, baixam a cabeça e começam a
orar.
CENA
07. APARTAMENTO DE CONRADO. QUARTO. DIA. INT.
Conrado está em frente ao espelho, enquanto termina de
colocar seu terno. A entidade demoníaca aparece logo atrás dele. Vê um sorriso
grande no rosto.
CONRADO
A criança já vai nascer, não é?
DEMÔNIO
(feliz)
Sim. Eu queria muito estar ao lado dele neste momento, mas
preciso finalizar minha transição.
CONRADO
E tá esperando o que para ir atrás do Samuel? (vira-se)
Aliás, não entendi até agora porque você nunca foi atrás dele. Dias se passaram
e você continua nessa forma incompleta.
DEMÔNIO
Você não entende a minha relação com o Samuel. Eu sou grato
por ele ter me invocado. Sem todo o ódio que ele veio acumulando no coração,
seria praticamente impossível eu ter vindo pra cá. Então, nada mais justo
deixá-lo aproveitar um pouco a vida que lhe resta.
CONRADO
(sério)
Fica com esse pensamento que, da mesma forma que ele te
invocou, ele pode te mandar de volta. Enquanto você não finalizar sua
transição, Samuel é o único que pode te expulsar deste mundo. Mantê-lo vivo é
um risco que não devemos correr.
DEMÔNIO
Fica tranquilo, que estou indo resolver isso, ok?! Eu sei
onde ele está. Eu só vim aqui te avisar que a criança está nascendo.
CONRADO
Eu sei. (vai até a janela) Eu consigo sentir a energia que
está vindo lá fora. (ao Demônio) Vai logo finalizar sua transição e veja o
bebê. Veja se o parto ocorreu tudo bem e como está a criança. (volta para o
espelho)
DEMÔNIO
Estou indo. (sorri) Até mais, irmão. (desaparece)
Conrado observa seu reflexo no espelho, com uma expressão
séria no rosto.
CENA
08. HOSPITAL. SALA DE ESPERA. DIA. INT.
Benjamin e Elis estão sentados lado a lado em uma das
poltronas do hospital. Elis parece sentir uma onda de energia vindo do local, e
isso por algum motivo a deixa angustiada.
ELIS
(aflita)
Tem algo estranho. (segura forte o braço de Benjamin) A
criança que está nascendo, está reunindo uma grande energia... (fecha os olhos)
... e que não é só aqui.
BENJAMIN
(confuso)
Como assim, Elis?
ELIS
Eu sinto pontos de energias em diversos locais da cidade.
(abre os olhos) Não é só essa criança que tá provocando isso.
BENJAMIN
Você acha que outras crianças geradas por “anjos” também
estão nascendo neste momento?
ELIS
Acredito que sim! (olha ao redor do hospital) Ambas estão
vibrando em sintonias diferentes. Uma mais forte que a outra. (fecha os olhos)
Aline entra sendo empurrada de cadeira de rodas, em
trabalho de parto por uma enfermeira. Ao lado dela está Rosângela e o marido.
Ela segue o caminho rumo a sala de parto junto com sua mãe. Seu pai fica na
recepção, ansioso. Elis abre os olhos e aponta para Aline.
ELIS
(séria)
Ela… a criança no ventre dela… eu sinto uma energia muito
forte vindo dela, Ben.
BENJAMIN
Calma, amor. (acaricia o ombro de Elis) Vou pegar um copo
d’água. Você me parece muito nervosa.
Benjamin se levanta e vai até um bebedouro ao lado. Elis
continua olhando em direção ao corredor que Aline entrou.
CENA
09. PRAIA. DIA. EXT.
Legenda:
Litoral baiano.
Samuel caminha pela praia. Sente a areia tocar seus pés, o
mar… é nítido a expressão de paz e tranquilidade exalando em seu corpo. Os
últimos dias foram de sossego, sem coisas estranhas como vozes ou visões em sua
cabeça. A praia está deserta, ele aproveita para sentar-se um pouco. Observa as
ondas do mar, fecha os olhos por um momento.
A entidade demoníaca aparece atrás dele, com um sorriso no
rosto.
DEMÔNIO
(sorri)
Olá, Samuel!
Samuel se levanta rapidamente, vira-se assustado ao ver sua
cópia de olhos vermelhos a sua frente.
DEMÔNIO
(feliz)
Chegou o momento de nos acertarmos, não acha?!
Samuel recua assustado daquele ser.
CENA
10. CASA DE SAMUEL. SALA. DIA. INT.
Regina e Meire continuam suas orações. Um aperto no peito
incomoda Regina que a faz ficar de pé.
REGINA
(aflita)
Samuel… (anda pela a sala, esfrega o peito) …o Samuel está
em perigo. Eu sinto isso, Meire. Estou sentindo, o meu filho está precisando de
mim. (chora) Por favor, meu Deus… salve o meu menino. (segura com força o
crucifixo em seu pescoço) Salve meu menino, por favor!
Meire se levanta, vai até Regina e a abraça.
MEIRE
O Samuel está bem, querida! Vamos continuar nossa oração?!
Nesse momento, a única coisa que podemos fazer é ter fé e confiar que Samuel
ficará bem.
REGINA
(chora)
Meu filho não vai mais voltar pra casa. (cai no desespero)
Meu filho não vai mais voltar pra casa, Meire. Eu estou sentindo isso aqui
dentro. (ajoelha-se) Ele não vai mais voltar. Eu perdi meu filho. (abraça as
pernas de Meire) Meu filho não vai mais voltar.
Meire fica parada em frente a amiga, a única coisa que pode
fazer é confortá-la. Seu coração também fica apertado, e sente o mesmo que
Regina.
CENA
11. PRAIA. DIA. EXT.
Legenda:
Litoral baiano.
Samuel e a entidade estão frente a frente. Ver alguém com a
sua aparência e com olhos vermelhos, jogam ralo abaixo toda a sua paz e
tranquilidade. Logo o medo e desespero começa a crescer dentro dele. Continua
se afastando dele aos poucos, indo em direção ao mar.
DEMÔNIO
Não precisa ter medo. Eu não vou fazer nada com você,
aliás, eu sou completamente grato por ter me invocado.
SAMUEL
(tenso)
Eu não invoquei ninguém. Vai embora. Me deixe em paz.
DEMÔNIO
É justamente isso que eu vim fazer aqui. (se aproxima dele)
Como nas últimas semanas eu fiquei cumprindo a sua vontade por justiça...
acredite o mundo ficou bem mais leve sem as pessoas que eu matei, creio que
nada mais justo que eu atender a sua última vontade.
SAMUEL
(tenso)
Eu sei o que você é. Você é um demônio, que tem me usado
para matar pessoas. Eu não desejei nada disso! O que eu queria, era que as
pessoas pagassem pelo o que elas fizeram. Não que elas fossem mortas.
DEMÔNIO
E tem pagamento melhor que a morte?! Devia se sentir
agradecido, por esse tipo de pessoas não pertencerem mais a este mundo.
Possivelmente estão pagando todos os pecados no inferno. (ri)
SAMUEL
Isso é errado. Matar pessoas é errado.
DEMÔNIO
Qual é, Samuel? Eu sei muito bem os sentimentos que você
guarda em seu coração. Você gostou do que eu fiz, porque era isso que você
queria fazer, mas não tinha coragem.
Conforme se aproximava, Samuel recuava.
DEMÔNIO
Foi essa sua vontade que me invocou. Foi a sua vontade que
me permitiu entrar nesse planeta. Então, matar pecadores, estupradores,
pedófilos, agressores, racistas... tem sido um favor que muitos humanos
desejam. Você não é único que deseja isso, sabia?
Samuel olha para todos os lados, a praia está completamente
deserta.
DEMÔNIO
Tem vários Samuel por aí acumulando ódio, raiva, desejo por
justiça. Tanto aqueles que não aguentam ficar observando de braços cruzados sem
poder fazer nada, como aqueles que são agredidos. Nesse exato momento, alguém
deve estar sendo morto, por simplesmente ser diferente. Existe a possibilidade
dessa morte ser noticiada, o que provocará indignação por parte da população,
só que logo em seguida, o acontecimento será esquecido. Afinal, como vocês
dizem “não foi comigo, porque eu tenho que me importar com isso”. Esse
esquecimento, no entanto, faz com que atos semelhantes continuem a acontecer
por aí.
Samuel continua se afastando. Tem medo de sair correndo e a
entidade fazer alguma coisa com ele.
DEMÔNIO
E vocês ficam nesse ciclo infinito. Alguém morre
injustamente, provoca um murmurinho aqui, outro ali e depois todos esquecem. A
vida daquela pessoa parece não ser importante, não é?! Então me diga, se a vida
da vítima não é importante para vocês, por que o do agressor tem que ser?
Samuel não responde. Continua se afastando, a procura de
uma brecha para fugir ou encontrar alguém.
DEMÔNIO
Se você concorda com isso, então acredito que peguei uma
visão errada sobre você.
SAMUEL
Nenhuma pessoa deve morrer. Por mais cruel que seja.
Se lembra da fala de sua mãe.
FLASHBACK
CENA 12. CASA DE SAMUEL.
COZINHA. DIA. INT.
REGINA
Por
mais podre que seja o ser humano... (vira-se para Samuel) ...ainda existem
pessoas por aí que merecem ser salvas.
FIM
DO FLASHBACK
CENA
13. PRAIA. DIA. EXT.
Samuel para de andar, encara a entidade e repete a fala de
sua mãe.
SAMUEL
Por mais podre que seja o ser humano, ainda existem pessoas
que merecem ser salvas.
DEMÔNIO
Uau. (bate palmas, ri) Mamãe passando bons ensinamentos. Só
que não é isso que você acredita, não é? (bem próximo) Sabe o que nos liga,
Samuel? Não é a sua vontade por justiça. Não, não é isso. (sério) É o seu ódio!
Naquela noite, eu criei forma graças ao ódio que você veio guardado em seu
coração.
Toca no ombro de Samuel com a mão direita. Com a esquerda,
toca no peito do rapaz. Ele, apesar do medo, continua parado, encarando a
entidade.
DEMÔNIO
E graças ao ódio daqueles que eu matei, hoje estou a um passo
de permanecer de vez neste mundo. Sabe o que está faltando pra mim? Um coração!
Eu não tenho coração, Samuel! (sorri)
Pega a mão direita de Samuel e a leva até seu peito. Samuel
não sente nada batendo dentro da entidade.
DEMÔNIO
Viu? Como eu vou viver nesse planeta sem coração, Samuel?
Samuel rapidamente tira a mão do peito do demônio, o medo é
gritante em seu rosto.
DEMÔNIO
Mas que bom que você tem um, não é?! (sorri)
Em um ato rápido, a entidade enfia a mão no peito de
Samuel. Sentir o coração dele em sua mão, o deixa feliz. Lentamente o puxa para
fora, sem desconectar nenhuma veia ou artéria. Samuel arregala os olhos vendo
tudo aquilo. A dor que está sentindo o impede de falar qualquer coisa. A única
coisa que faz é gaguejar, completamente apavorado.
DEMÔNIO
Obrigado, Samuel! Finalmente eu vou dar a paz que você
tanto quer.
Puxa de uma só vez o coração do peito de Samuel, que
ajoelha na areia, sentindo a vida sair do seu corpo. Samuel tenta falar alguma
coisa. Olha para a entidade e a última coisa que ver, é aquele rosto de olhos
vermelhos sorrindo demoniacamente. Samuel cai na areia, morto.
DEMÔNIO
Descanse em paz, Samuel.
A entidade olha para o coração pulsando fraco em sua mão.
Com a outra mão, abre um grande buraco em seu peito. Lá dentro, há apenas um
grande vazio.
Ele coloca o coração no peito, fecha os olhos por um
segundo, sente um incômodo lá dentro. Retira a mão, seu corpo se cicatriza
sozinho. Uma leve fumaça começa a exalar de seu corpo. O coração que acabou de
ganhar começa a bater. Se ouve as batidas.
Ao abrir os olhos, a coloração vermelha havia desaparecido.
Seus olhos são os mesmos de Samuel.
DEMÔNIO
(em êxtase)
Finalmente! (tom alto) Finalmente estou de volta! (fecha os
olhos) Eu sinto seu ódio, Samuel. Assim como a sua dor e seu desespero.
Abre os olhos, olha para o corpo de Samuel morto na areia,
se agacha.
DEMÔNIO
Eu sei como você se sente agora. Mas assim como o amor, o
ódio também é um sentimento universal. Todos têm ódio no coração, Samuel. Então
nem todos merecem ser salvos.
Fica de pé, ouve o choro de um bebê. Um grande sorriso
cresce em seu rosto.
DEMÔNIO
(feliz)
Ele nasceu! Ele nasceu!
Desaparece dali, deixa o corpo de Samuel caído na areia.
CENA
14. HOSPITAL. SALA DE ESPERA. DIA. INT.
Com um copo vazio em mãos, Elis parece mais calma. Benjamin
está ao lado, acaricia a perna dela. O pai de Aline está sentado do outro lado
da sala, ansioso por até agora não ter recebido notícia nenhuma de sua filha.
BENJAMIN
Melhor?
ELIS
Estou sim. Obrigada.
Um curto silêncio fica entre eles. Elis escuta um choro de
uma criança. É o mesmo choro que ouviu no avião dias atrás.
ELIS
O choro... (ergue a cabeça, olha para cima) A criança
nasceu!
Benjamin olha para a esposa, estranha o modo como ela está
olhando o teto.
ELIS
Ela não está sozinha, Ben. (à Benjamin, angustiada) Ele
está aqui! O demônio está com a criança.
Benjamin imediatamente sente a esposa tensa, olha para o
teto com uma expressão séria no rosto.
CENA
15. HOSPITAL. MATERNIDADE. DIA. INT.
A entidade aparece dentro da maternidade. Se aproxima do
berçário do filho de Aline. Seu sorriso continua estampado no rosto, se agacha
um pouco, próximo ao recém-nascido.
DEMÔNIO
Seja bem-vindo, Salvador! Irei preparar seu reino, para quando
o senhor atingir a maioridade.
Ergue o corpo novamente, se afasta e desaparece na
sequência.
CENA
16. RUAS. DIA. EXT.
A entidade que agora está completamente idêntica a Samuel,
caminha pelas ruas da cidade. Não consegue esconder a satisfação de sentir um
coração batendo em seu peito. Conforme anda, observa algumas situações.
Se atenta a uma mulher sendo agressiva com uma criança de
colo. Ela coloca a criança que não para de chorar de seus braços, em um
carrinho de uma forma bruta, que a faz chorar ainda mais. Ela está nitidamente
irritada com o choro do bebê.
Na sequência, ele se atenta a um jovem casal discutindo em
frente a uma lanchonete do outro lado da rua. O rapaz parece estar sendo
bastante abusivo com a garota, que ouve as falas dele de cabeça baixa. Ele
chega a apontar o dedo na cara dela algumas vezes.
Em outra rua, a entidade está em frente a um colégio de ensino
médio. Observa alguns alunos saindo e se atenta a um garoto um pouco acima do
peso. Ele é seguido por um grupo de alunos logo atrás, que zombam do corpo
físico do adolescente. O grupo acelera os passos, o cercam por um breve momento
e zombam dele. O adolescente para de andar, fica constrangido de cabeça baixa.
A entidade segue o caminho e, em outra rua, vê um homem
chutando um cachorro vira-lata de frente de seu açougue. O mesmo homem pega um
pedaço de pau e joga nas costas do cachorro, o fazendo sair dali, latindo de
dor.
Em outro ponto, vê um menor de idade caminhando de modo
suspeito atrás de uma mulher. Na primeira oportunidade que tem, o menor
aproveita, pega a bolsa da mulher e sai correndo em meio à rua. Ele só não
esperava ser pego por dois caras logo à frente. Tiram a bolsa dele e começam a
agredi-lo, com socos e chutes. As pessoas apenas assistem e gravam em seus
aparelhos celulares toda a cena. Não fazem nada para impedir a agressão do
menor, pelos dois homens adultos.
A entidade passa por aquela situação, com um leve sorriso
no rosto. Continua seguindo seu caminho, como se não tivesse acontecendo nada.
Olha para CAM, que registra a expressão de felicidade no rosto dela.
DEMÔNIO (feliz)
Meus irmãos vão adorar este lugar. Há muito
ódio a ser colhido neste planeta! (sorri)
Segue seu caminho, enquanto o rapaz continua sendo agredido
pelos homens.
CENA
17. MANICÔMIO SANTA BÁRBARA. QUARTO. DIA. INT.
Um espaço pequeno, com uma mesa simples, uma cadeira e uma
cama de solteiro. Paredes de coloração bege, rabiscadas com vários versículos
bíblicos. Um homem (49 anos, cabelos grandes, grisalhos, barba a fazer) está
sentado na cama, lendo uma bíblia.
Escuta-se um choro de bebê vindo do lado de fora. O homem
senta-se, fecha o livro e se atenta à janela, com os olhos espantados. Ele se
levanta, vai até a janela. Junto com o choro de bebê, várias vozes começam a
sussurrar na cabeça dele.
VOZES (sussurros,
simultaneamente)
A criança que salvará o mundo nasceu, a
proteja! A criança que destruirá o mundo nasceu, mate-a agora! Proteja a
criança! Mate a criança! Proteja a criança! Mate a criança.
O homem se afasta da janela, senta-se na cama, completamente
confuso com as vozes se repetindo em sua cabeça. Ele olha para a janela e o
choro da criança não cessa e se mistura com as vozes em sua cabeça.
VOZES (junto com o choro de
bebê)
Mate a criança! Proteja a criança! Mate a
criança! Proteja a criança!
O homem deita-se na cama, completamente angustiado. Tapa os
ouvidos, na intenção de parar de ouvir aquilo.
HOMEM (desesperado)
Saiam da minha cabeça! Saiam da minha cabeça!
Saiam da minha cabeça!
As vozes e o choro da criança continuam a se repetir, enquanto
ele se debate de um lado para o outro na cama.
VOZES (junto com o choro de
bebê)
Mate a criança! Proteja a criança! Mate a
criança! Proteja a criança!
HOMEM (desesperado, tom alto)
Saiam da minha cabeça! Saiam da minha cabeça!
CENA
18. MANICÔMIO SANTA BÁRBARA. QUARTO. DIA. EXT.
Do lado de fora, pela janela, CAM mostra o homem deitado na
cama, angustiado, com as mãos em sua cabeça gritando alto. CAM se distancia da
janela, embora seus gritos ainda sejam ouvidos.
HOMEM (desesperado, tom alto, v.O.)
Saiam
da minha cabeça! Saiam da minha cabeça! Saiam da minha cabeça!
CAM mostra o manicômio por completo. Os gritos ainda são
ouvidos vindo da janela do quarto.
FIM DO EPISÓDIO.
FIM DA TEMPORADA.
A Vontade
do Mal
Temporada 1 | Episódio 10
Criado
e Escrito por:
Anderson Silva
Elenco:
Samuel (Giovanni de Lorenzi)
Benjamin (Eduardo Moscovis)
Elis (Sandra Corveloni)
Regina (Gilda Nomacce)
Meire (Isabele Garcia)
Rajax
© 2021
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